quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Às vezes...

"Exit" - Scala & Kolacny


Para aqueles que eu amo...

Às vezes, nós somos mais do que só nós!

Às vezes, há pessoas que são mais do que elas próprias e a sua importância extravasa os limites da sua existência.

Às vezes, digo à minha mulher: "Não podes ficar doente!" E isto não significa que eu não lhe reconheça o "direito" de ficar doente ou tão só de estar cansada. Significa apenas que ela é mais, muito mais, do que apenas ela. A doença dela será também a minha doença e a doença dos miúdos. Se ela ficar doente, todos nós, lá em casa, ficaremos um pouco mais doentes. Ela é ela e o que das nossas vidas há nela.

Quando se ama alguém, percebe-se isto muito bem. Aquele que amamos vale mais do que só ele. Porque vale o que ele é, e vale tudo o que de nós existe nele. Quando amamos alguém, parte de nós transvasa-se para a existência do outro. E fica lá! Fica a viver na vida do outro e o outro passa a ser possuidor de uma vida extra: a nossa!

Quando amamos, entregamos parte de nós à guarda do outro. Quando amamos, damos, sem receios, sem ponderações, um bocado do que somos àquele que é o nosso amado. E se amarmos a sério, não damos aquilo que é acessório e extraordinário; antes damos o que é essencial, o que é fulcral, o que nos faz falta: damos o que nos faz! E sem pedir caução, entregamos o nosso tesouro secreto nas mãos do outro. Apenas porque sentimos que temos que lhe dar o que é mais importante para nós, porque sentimos que temos que lhe entregar o que jamais entregaríamos a alguém. A nossa fé, os nossos pensamentos, os nossos desejos, as nossas angústias e medos; até as nossas fraquezas. Mas também as nossas vitórias (sobretudo aquelas que obtivemos nas sombras do desconhecimento alheio e que nos encheram de silêncios grandiosos), os nossos sorrisos mais francos e espontâneos, as gargalhadas luminosas arrancadas de uma qualquer anedota. E entregamos as lágrimas escondidas, as tremuras de febre, a dorida tristeza de uma meta falhada.
"pearls" por Irma, no Flickr
Quando amamos, pegamos nas emoções que nos são mais preciosas e entregamo-las nas mãos de quem amamos. Como se pegássemos numa macheia de imaculadas pérolas e as mostrássemos a um guardião de tesouros mitológicos – para ele ver como nós também temos tesouros! E depois, por impulso, sem saber porquê, dizemos-lhe “Guarda-as. Fica com elas, protege-as com a tua vida. Gosto tanto delas que tenho medo de as perder. Guarda-as tu. Confio mais em ti do que em mim. E quando eu tiver saudades dessas pérolas, virei cá e tu hás de mas mostrar, polidas, mais brilhantes do que eu me lembrarei então!”
Quando amamos alguém, entregamos-lhe a nossa vida porque temos medo de a perder. Sabemos, porque amamos, que o outro guardará melhor a nossa vida do que nós próprios.
E como uma oblata, depositamos na cova daquelas mãos, o que somos, confiantes que será ali que sobreviveremos ao nosso esquecimento.

É por isso que há pessoas que são mais do que elas próprias. Porque são elas e são o que de nós há nelas.
É por isso que é tão difícil perder algumas pessoas; tão difícil perder o outro que amamos.
É por isso que não aceitamos a ideia de o perder. Porque perdê-lo, a ele, será sempre perder-nos a nós. E o nosso instinto de sobrevivência não permite que o outro não sobreviva.

Se ele, o outro que amamos, se desvanecer, esfumar-se-ão as pérolas que lhe confiámos. Porque lhas demos. Porque deixámos de cuidar delas, seguros de que seriam cuidadas por ele. Porque nos esquecemos de quantas e de como eram essas pérolas.
Perder aquele que amamos é morrermo-nos por dentro enquanto estamos vivos por fora. E não há mortes mais cruéis do que aquelas que nos acontecem durante a vida!

Não te posso perder! Não me quero morrer com a consciência disso. Não te posso perder e pronto! Tu, meu amor, não tens o direito de partir com parte de mim em ti! Essa parte que está aí, em ti, é minha e eu não a posso perder. Não tenho outra. Depositei-a em ti! Ela só existe em ti. E não tenho mais de mim noutra parte…

E não te podes ir embora deixando para trás parte de ti em mim. O que farei com o que de ti habita em mim? O que farei com isto de mim que és tu? O que farei com as pérolas que me deste e que tenho polido todos os dias à espera do dia em que as venhas revisitar? Que farei depois com esta vida que vive em mim e que não é minha? De que servirão estes sorrisos, estas vitórias, estas lágrimas, estes medos, estas gargalhadas, estas tremuras de febre que guardo de ti? Não são minhas, amor! São tuas. Eu não saberei o que fazer com elas… Não tenho sítio para elas se tu não estiveres aí. Mas não as posso lançar fora porque elas se enredaram no meu ser como metástases que me consomem o ser.

Porque eu sou tu e tu és eu! Se me partires, partir-me-ás!

Às vezes, há pessoas que são mais do que elas próprias! São elas e tudo o que de nós há nelas e tudo o que delas há em nós!

José Paulo Vasconcelos
Outubro de 2011

2 comentários:

Unknown disse...

Quero comentar, mas faltam-me as palavras. Está tudo dito.

Geo disse...

Obrigada página 43, por guardares também, um pouco de mim...com o respeito de Amiga, que encontro em ti. Que bom!